Em se tratando da História Antiga, um lugar-comum recorrente é a concepção segundo a qual, afora os períodos de guerra, quando cidades-Estados e impérios se defrontavam com violência, as sociedades viviam uma situação de relativa estabilidade. A vigorar essa ideia, os conflitos internos seriam pouco importantes para a dinâmica social, o que por vezes nos leva a supor que a Antiguidade tendesse ao imobilismo e à acomodação. Na contramão desse raciocínio, os historiadores têm cuidado, nas últimas décadas, de assinalar o quanto o mundo antigo era marcado pela contradição e oposição das forças sociais. Ao mesmo tempo, os pesquisadores têm se mostrado cada vez mais reticentes em reproduzir o ponto de vista dos “vencedores” sobre os acontecimentos pretéritos, como se as categorias sociais derrotadas não tivessem desempenhado um papel relevante para o movimento da própria história. O livro que o(a) leitor(a) tem em mãos, um estudo criterioso sobre os argumentos arianos formulados por um bispo do século IV, Eunômio de Cízico, no seu confronto com os adeptos da ortodoxia nicena, em especial com Gregório de Nissa, é tributário dessa nova forma de se abordar a História Antiga que se consolida nos meios acadêmicos nacionais e estrangeiros. Nele, Helena Amália Papa, rejeitando um tratamento monolítico do cristianismo católico, aquele que hoje vigora, busca demonstrar, mediante um minucioso exame da documentação de natureza teológica, o quanto o cristianismo antigo era plural e conflitivo, o que rompe com a possibilidade de qualquer interpretação essencialista contida na Boa Nova anunciada por Jesus. Por outro lado, a autora não se contenta em dar voz apenas àqueles que, no final, foram hábeis o suficiente para impor a sua interpretação a respeito da mensagem evangélica, preferindo recuperar o protagonismo dos agentes que poderíamos qualificar como os “vencidos”, o que amplia de modo extraordinário nossa compreensão acerca dos conflitos religiosos — e ao mesmo tempo políticos, é bom frisar — que marcaram a Antiguidade Tardia, momento decisivo na construção da Igreja, uma instituição milenar que detém, ainda na atualidade, notável influência. Prof. Dr. Gilvan Ventura da Silva Professor titular de História Antiga da Ufes; Bolsista produtividade do CNPq